Reunião de Estudo: Livro dos Médiuns (5)

Ano VII - 17/05/2011
CAPÍTULO IV - DOS SISTEMAS (PARTE 1)

36. Quando começaram a produzir-se os estranhos fenômenos do Espiritismo, ou, dizendo melhor, quando esses fenômenos se renovaram nestes últimos tempos, o primeiro sentimento que despertaram foi o da dúvida, quanto à realidade deles e, mais ainda, quanto à causa que lhes dava origem. Uma vez certificados, por testemunhos irrecusáveis e pelas experiências que todos hão podido fazer, sucedeu que cada um os interpretou a seu modo, de acordo com suas idéias pessoais, suas crenças, ou suas prevenções. Daí, muitos sistemas, a que uma observação mais atenta viria dar o justo valor.
Julgaram os adversários do Espiritismo encontrar um argumento nessa divergência de opiniões, dizendo que os próprios espíritas não se entendiam entre si A pobreza de semelhante razão prontamente se patenteia, desde que se reflita que os passos de qualquer ciência nascente são necessariamente incertos, até que o tempo haja permitido se colecionem e coordenem os fatos sobre que possa firmar-se a opinião. À medida que os fatos se completam e vão sendo mais bem observados, as idéias prematuras se apagam e a unidade se estabelece, pelo menos com relação aos pontos fundamentais, senão a todos os pormenores. Foi o que se deu com o Espiritismo, que não podia fugir à lei comum e tinha mesmo, por sua natureza, que se prestar, mais do que qualquer outro assunto, à diversidade das interpretações. Pode-se, aliás, dizer que, a este respeito, ele andou mais depressa do que outras ciências mais antigas, do que a
medicina, por exemplo, que ainda traz divididos os maiores sábios.

37. Seguindo metódica ordem, para acompanhar a marcha progressiva das idéias, convém sejam colocados na primeira linha dos sistemas os que se podem classificar como sistemas de negação, isto é, os dos adversários do Espiritismo. Já lhes refutamos as objeções, na introdução e na conclusão de O Livro dos Espíritos, assim como no volumezinho que intitulamos: O que é o Espiritismo. Fora supérfluo insistir nisso aqui. Limitar-nos-emos a lembrar, em duas palavras, os motivos em que eles se fundam.
De duas espécies são os fenômenos espíritas: efeitos físicos e efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem coisa alguma fora da matéria, concebe-se que neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os comentam do ponto de vista em que se colocam e seus argumentos se podem resumir nos quatro sistemas seguintes:

38. Sistema do charlatanismo. - Entre os antagonistas do Espiritismo, muitos atribuem aqueles efeitos ao embuste, pela razão de que alguns puderam ser imitados. Segundo tal suposição, todos os espíritas seriam indivíduos embaídos e todos os médiuns seriam embaidores, de nada valendo a posição, o caráter, o saber e a honradez das pessoas. Seisto merecesse resposta, diríamos que alguns fenômenos da Física também são imitados pelos prestidigitadores, o que nada prova contra a verdadeira ciência. Demais, pessoas há, cujo caráter afasta toda suspeita de fraude e preciso é não saber absolutamente viver e carecer de toda urbanidade, para que alguém ouse vir dizer-lhe na face que são cúmplices de charlatanismo.
Num salão muito respeitável, um senhor, que se dizia bem educado, tendo-se permitido fazer uma reflexão dessa natureza, ouviu da dona da casa o seguinte: "Senhor, pois que não estais satisfeito, à porta vos será restituído o que pagastes." E, com um gesto, lhe indicou o que de melhor tinha a fazer. Dever-se-á por isso afirmar que nunca houve abuso? Para crê-lo, fora mister admitir-se que os homens são perfeitos. De tudo se abusa, até das coisas mais santas. Por que não abusariam do Espiritismo? Porém, o mau uso que de uma coisa se faça não autoriza que ela seja prejulgada desfavoravelmente. Para chegar-se à verificação, que se pode obter, da boa-fé com que obram as pessoas, deve-se atender aos motivos que lhes determinam o procedimento. O charlatanismo não tem cabimento onde não há especulação.

39. Sistema da loucura. - Alguns, por condescendência, concordam em pôr de lado a suspeita de embuste. Pretendem então que os que não iludem são iludidos, o que eqüivale a qualificá-los de imbecis. Quando os incrédulos se abstêm de usar de circunlóquios, declaram, pura e simplesmente, que os que crêem são loucos, atribuindo- se a si mesmos, desse modo e sem cerimônias, o privilégio do bom-senso. Esse o argumento formidável dos que nenhuma razão plausível encontram para apresentar.
Afinal, semelhante maneira de atacar se tomou ridícula, tal a sua banalidade, e não merece que se perca tempo em refutá-la. Acresce que os espíritas não se alteram com isso; tomam corajosamente o seu partido e se consolam, lembrando-se de que têm por companheiros de infortúnio muitas pessoas de mérito incontestável.
Efetivamente, forçoso será convir em que essa loucura, se loucura existe, apresenta uma característica muito singular: a de atingir de preferência a classe instruída, em cujo seio conta o Espiritismo, até ao presente, a imensa maioria de seus adeptos. Se entre estes algumas excentricidades se manifestam, elas nada provam contra a Doutrina, do mesmo modo que os loucos religiosos nada provam contra a religião, nem os loucos melamos contra a música, ou os loucos matemáticos contra a matemática, Todas as idéias sempre tiveram fanáticos exagerados e é preciso se seja dotado de muito obtuso juízo, para confundir a exageração de uma coisa com a coisa mesma.
Para mais amplas explicações a este respeito, recomendamos ao leitor a nossa brochura: O que é o Espiritismoe O Livro dos Espíritos(Introdução, § 15).

40. Sistema da alucinação. Outra opinião, menos ofensiva essa, por trazer um ligeiro colorido científico, consiste em levar os fenômenos à conta de ilusão dos sentidos. Assim, o observador estaria de muito boa-fé; apenas, julgaria ver o que não vê. Quando diz que viu uma mesa levantar-se e manter-se no ar, sem ponto de apoio, a verdade é que a mesa não se mexeu. Ele a viu no ar, por efeito de uma espécie de miragem, ou por uma refração, qual a que nos faz ver, na água, um astro, ou um objeto qualquer, fora da sua posição real. Isto, a rigor, seria possível; mas, os que já testemunharam fenômenos espíritas hão podido certificar-se do isolamento da mesa suspensa, passando por debaixo dela, o que parece difícil de se conseguir, caso o móvel não se houvesse despregado do solo. Por outro lado, muitas vezes tem sucedido quebrar-se a mesa ao cair. Dar-se-á que também aí nada mais haja do que simples efeito de ótica?
É fora de dúvida que uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer que uma pessoa julgue ver em movimento um objeto que não se moveu, ou que suponha estar ela própria a mover-se, quando permanece imóvel. Mas, quando, rodeando uma mesa, muitas pessoas a vêem arrastada por um movimento tão rápido que difícil se lhes toma acompanhá-la, ou que mesmo deita algumas delas ao chão, poder-se-á dizer que todas se acham tomadas de vertigem, como o bêbedo, que acredita estar vendo a casa em que mora passar-lhe por diante dos olhos?

41. Sistema do músculo estalante. - Sendo assim, pelo que toca à visão, de outro modo não poderia ser, pelo que concerne à audição. Quando as pancadas são ouvidas por todas as pessoas reunidas em determinado lugar, não há como atribuí-las razoavelmente a uma ilusão. Pomos de parte, está claro, toda idéia de fraude e supomos que uma atenta observação tenha verificado não serem as pancadas atribuíveis a qualquer causa fortuita ou material.
E certo que um sábio médico deu desse fenômeno uma explicação, ao seu parecer, peremptória (1). "A causa, disse ele, reside nas contrações voluntárias, ou involuntárias, do tendão do músculo curto-perônio." A este propósito, desce às mais completas minúcias anatômicas, para demonstrar por que mecanismo pode esse tendão produzir os ruídos de que se trata, imitar os rufos do tambor e, até, executar árias ritmadas. Conclui daí que os que julgam ouvir pancadas numa mesa são vítimas de uma mistificação, ou de uma ilusão.
O fato, em si mesmo, não é novo. Infelizmente para o autor dessa pretendida descoberta, sua teoria é incapaz de explicar todos os casos. Digamos, antes de tudo, que os que gozam da estranha faculdade de fazer que o seu músculo curto-perônio, ou qualquer outro, estale à vontade, da de executar árias por esse meio, são indivíduos excepcionais, enquanto que muito comum é a de fazer-se que uma mesa dê pancadas e que nem todos, dado que algum exista, dos que gozam desta última faculdade, possuem a primeira.
Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu de explicar como o estalido muscular de uma pessoa imóvel e afastada da mesa pode produzir nesta vibrações sensíveis a quem a toque; como pode esse ruído repercutir, à vontade dos assistentes, nas diferentes partes da mesa, nos outros móveis, nas paredes, no forro, etc.; como, finalmente, a ação daquele músculo pode atingir uma mesa em que ninguém toca e fazê- la mover-se. Em suma, a explicação a que nos reportamos, se de fato o fosse, apenas infirmaria o fenômeno das pancadas, nada adiantando com relação a qualquer dos outros muitos modos de comunicação.
Reconheçamos, pois, que ele julgou sem ter visto, ou sem ter observado tudo e observado bem. E sempre de lamentar que homens de ciência se afoitem a dar, do que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O próprio saber que possuem devera torná-los tanto mais circunspectos em seus juízos, quanto é certo que esse saber afasta deles os limites do desconhecido.

42. Sistema das causas físicas. - Aqui, estamos fora do sistema da negação absoluta. Averiguada a realidade dos fenômenos, a primeira idéia que naturalmente acudiu ao espírito dos que os verificaram foi a de atribuir os movimentos ao magnetismo, à eletricidade, ou à ação de um fluido qualquer; numa palavra, a uma causa inteiramente física e material. Nada apresentava de irracional esta opinião e teria prevalecido, se o fenômeno houvera ficado adstrito a efeitos puramente mecânicos. Uma circunstância parecia mesmo corroborá-la: a do aumento que, em certos casos, experimentava a força atuante, na razão direta do número das pessoas presentes. Assim, cada uma destas podia ser considerada como um dos elementos de uma pilha elétrica humana. Já dissemos que o que caracteriza uma teoria verdadeira é poder dar a razão de tudo.
Se, porém, um só fato que seja a contradiz, é que ela é falsa, incompleta, ou por demais absoluta. Ora, foi o que não tardou a reconhecer-se, quanto a esta.
Os movimentos e as pancadas deram sinais inteligentes, obedecendo à vontade e respondendo ao pensamento. Haviam, pois, de originar-se de uma causa inteligente. Desde que o efeito deixava de ser puramente físico, outra, por isso mesmo, tinha que ser a causa. Tanto assim, que o sistema da ação exclusiva de um agente material foi abandonado, para só ser esposado ainda pelos que julgam a priori, sem haver visto coisa alguma. O ponto capital, portanto, está em verificar-se a ação inteligente, de cuja realidade se pode convencer quem quiser dar-se ao trabalho de observar.

43. Sistema do reflexo. - Reconhecida a ação inteligente, restava saber donde provinha essa inteligência. Julgou-se que bem podia ser a do médium, ou a dos assistentes, a se refletirem, como a luz ou os raios sonoros. Era possível: só a experiência poderia dizer a última palavra. Mas, notemos, antes de tudo, que este sistema já se afasta por completo da idéia puramente materialista. Para que a inteligência dos assistentes pudesse reproduzir-se por via indireta, preciso era se admitisse existir no homem um princípio exterior do organismo.
Se o pensamento externado fora sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas, embora reduzido a estas proporções, já não seria do mais alto interesse o fenômeno? Já não seria coisa bastante notável o pensamento a repercutir num corpo inerte e a se traduzir pelo movimento e pelo ruído? Já não haveria aí o que excitasse a curiosidade dos sábios? Por que então a desprezaram eles, que se afadigam na pesquisa de uma fibra nervosa?
Só a experiência, dizemos, podia confirmar ou condenar essa teoria, e a experiência a condenou, porquanto demonstra a todos os momentos, e com os mais positivos fatos,que o pensamento expresso, não somente pode ser estranho ao dos assistentes, mas que lhes é, muitas vezes, contrário; que contradiz todas as idéias preconcebidas e frustra todas as previsões. Com efeito, difícil me é acreditar que a resposta provenha de mim mesmo, quando, a pensar no branco, se me fala em preto.
Em apoio da teoria que apreciamos, costumam invocar certos casos em que são idênticos o pensamento manifestado e o dos assistentes. Mas, que prova isso, senão que estes podem pensar como a inteligência que se comunica? Não há por que pretender-se que as duas opiniões devam ser sempre opostas. Quando, no curso de uma conversação, o vosso interlocutor emite um pensamento análogo ao que vos está na mente, direis, por isso, que de vós mesmos vem o seu pensamento? Bastam alguns exemplos em contrário, bem comprovados, para que positivado fique não ser absoluta esta teoria.
Como explicar, pela reflexão do pensamento, as escritas feitas por pessoas que não sabem escrever; as respostas do mais alto alcance filosófico, obtidas por indivíduos iletrados; as respostas dadas a perguntas mentais, ou em língua que o médium desconhece e mil outros fatos que não permitem dúvida sobre a independência da inteligência que se manifesta? A opinião oposta não pode deixar de resultar de falta de observação.
Provada, como está, moralmente, pela natureza das respostas, a presença de uma inteligência diversa da do médium e da dos assistentes, provada também o está, materialmente, pelo fato da escrita direta, isto é, da escrita obtida espontaneamente, sem lápis, nem pena, sem contacto e mau grado a todas as precauções tomadas contra qualquer subterfúgio. O caráter inteligente do fenômeno não pode ser posto em dúvida: logo, há nele mais alguma coisa do que uma ação fluídica. Depois, a espontaneidade do pensamento expresso contra toda expectativa e sem que alguma questão tenha sido formulada, não consente se veja nele um reflexo do dos assistentes.
Em alguns casos, o sistema do reflexo é bastante descortês. Quando, numa reunião de pessoas honestas,surge inopinadamente uma dessas comunicações de revoltante grosseria, fora desatencioso, para com os assistentes, pretender-se que ela haja provindo de um deles, sendo provável que cada um se daria pressa em repudiá-la. (Vede O Livro dos Espíritos, "Introdução", § 16.)

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