Reunião de Estudo: Livro dos Espíritos (37)

Ano VI - 12/12/2010
CAPÍTULO III - DA CRIAÇÃO

58. Os mundos mais afastados do Sol estarão privados de luz e calor, por motivo de
esse astro se lhes mostrar apenas com a aparência de uma estrela?
“Pensais então que não há outras fontes de luz e calor além do Sol e em nenhuma
conta tendes a eletricidade que, em certos mundos, desempenha um papel que desconheceis
e bem mais importante do que o que lhe cabe desempenhar na Terra? Demais, não dissemos que todos os seres são feitos de igual matéria que vós outros e com órgãos de conformação idêntica à dos vossos.”

As condições de existência dos seres que habitam os diferentes mundos hão de ser
adequadas ao meio em que lhes cumpre viver. Se jamais houvéramos visto peixes, não
compreenderíamos pudesse haver seres que vivessem dentro dágua. Assim acontece com
relação aos outros mundos, que sem dúvida contêm elementos que desconhecemos. Não
vemos na Terra as longas noites polares iluminadas pela eletricidade das auroras boreais? Que há de impossível em ser a eletricidade, nalguns mundos, mais abundante do que na Terra e desempenhar neles uma função de ordem geral, cujos efeitos não podemos
compreender? Bem pode suceder, portanto, que esses mundos tragam em si mesmos as
fontes de calor e de luz necessárias a seus habitantes.

Considerações e concordâncias bíblicas
concernentes à Criação


59. Os povos hão formado idéias muito divergentes acerca da Criação, de acordo
com as luzes que possuíam. Apoiada na Ciência, a razão reconheceu a inverossimilhança de algumas dessas teorias. A que os Espíritos apresentam confirma a opinião de há muito
partilhada pelos homens mais esclarecidos.
A objeção que se lhe pode fazer é a de estar em contradição com o texto dos livros
sagrados. Mas, um exame sério mostrará que essa contradição é mais aparente do que real e que decorre da interpretação dada ao que muitas vezes só tinha sentido alegórico.
A questão de ter sido Adão, como primeiro homem, a origem exclusiva da Humanidade, não é a única a cujo respeito as crenças religiosas tiveram que se modificar. O movimento da Terra pareceu, em determinada época, tão em oposição às letras sagradas, que não houve gênero de perseguições a que essa teoria não tivesse servido de pretexto, e,
no entanto, a Terra gira, mau grado aos anátemas, não podendo ninguém hoje contestá-lo,
sem agravo à sua própria razão.
Diz também a Bíblia que o mundo foi criado em seis dias e põe a época da sua
criação há quatro mil anos, mais ou menos, antes da era cristã. Anteriormente, a Terra não existia; foi tirada do nada: o texto é formal. Eis, porém, que a ciência positiva, a inexorável ciência, prova o contrário. A história da formação do globo terráqueo está escrita em caracteres irrecusáveis no mundo fóssil, achando-se provado que os seis dias da criação indicam outros tantos períodos, cada um de, talvez, muitas centenas de milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião insulada; é um fato tão certo como o do movimento da Terra e que a Teologia
não pode negar-se a admitir, o que demonstra evidentemente o erro em que se está sujeito a cair tomando ao pé da letra expressões de uma linguagem freqüentemente figurada. Deverse-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a conclusão a tirar-se é que os homens se equivocaram ao interpretá-la.
Escavando os arquivos da Terra, a Ciência descobriu em que ordem os seres vivos
lhe apareceram na superfície, ordem que está de acordo com o que diz a Gênese, havendo
apenas a notar-se a diferença de que essa obra, em vez de executada milagrosamente por
Deus em algumas horas, se realizou, sempre pela Sua vontade, mas conformemente à lei
das forças da Natureza, em alguns milhões de anos. Ficou sendo Deus, por isso, menor e
menos poderoso? Perdeu em sublimidade a Sua obra, por não ter o prestígio da
instantaneidade? Indubitavelmente, não. Fora mister fazer-se da Divindade bem mesquinha
idéia, para se não reconhecer a sua onipotência nas leis eternas que ela estabeleceu para regerem os mundos. A ciência, longe de apoucar a obra divina, no-la mostra sob aspecto mais grandioso e mais acorde com as noções que temos do poder e da majestade de Deus, pela razão mesma de ela se haver efetuado sem derrogação das leis da Natureza.
De acordo, neste ponto, com Moisés, a Ciência coloca o homem em último lugar na
ordem da criação dos seres vivos. Moisés, porém, indica, como sendo o do dilúvio
universal, o ano 1654 da formação do mundo, ao passo que a Geologia nos aponta o grande
cataclismo como anterior ao aparecimento do homem, atendendo a que, até hoje, não se
encontrou, nas camadas primitivas, traço algum de sua presença, nem da dos animais de
igual categoria, do ponto de vista físico. Contudo, nada prova que isso seja impossível.
Muitas descobertas já fizeram surgir dúvidas a tal respeito. Pode dar-se que, de um
momento para outro, se adquira a certeza material da anterioridade da raça humana e então se reconhecerá que, a esse propósito, como a tantos outros, o texto bíblico encerra uma figura. A questão está em saber se o cataclismo geológico é o mesmo a que assistiu Noé. Ora, o tempo necessário à formação das camadas fósseis não permite confundi-los e, desde que se achem vestígios da existência do homem antes da grande catástrofe, provado ficará, ou que Adão não foi o primeiro homem, ou que a sua criação se perde na noite dos tempos. Contra a evidência não há raciocínios possíveis;
forçoso será aceitar-se esse fato, como se aceitaram o do movimento da Terra e os seis
períodos da Criação.
A existência do homem antes do dilúvio geológico ainda é, com efeito, hipotética.
Eis aqui, porém, alguma coisa que o é menos. Admitindo-se que o homem tenha aparecido
pela primeira vez na Terra 4.000 anos antes do Cristo e que, 1650 anos mais tarde, toda a raça humana foi destruída, com exceção de uma só família, resulta que o povoamento da Terra data apenas de Noé, ou seja: de 2.350 anos antes da nossa era. Ora, quando os hebreus emigraram para o Egito, no décimo oitavo século, encontraram esse país muito povoado e já bastante adiantado em civilização. A História prova que, nessa época, as Índias e outros países também estavam florescentes, sem mesmo se ter em conta a cronologia de certos povos, que remonta a uma época muito mais afastada. Teria sido preciso, nesse caso, que do vigésimo quarto ao décimo oitavo século, isto é, que num espaço de 600 anos, não somente a posteridade de um único homem houvesse podido povoar todos os imensos países então conhecidos, suposto que os outros não o fossem, mas também que, nesse curto lapso de tempo, a espécie humana houvesse podido elevar-se da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau de desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas.
A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião, O clima e os costumes
produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a
influência dessas causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre certas
raças, diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é capaz de
determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por
exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto a hipótese de uma
origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o
peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos.
Tudo, ao invés, se explica, admitindo-se: que a existência do homem é anterior à
época em que vulgarmente se pretende que ela começou; que diversas são as origens; que
Adão, vivendo há seis mil anos, tenha povoado uma região ainda desabitada; que o dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo geológico; e atentando-se, finalmente, na forma alegórica peculiar ao estilo oriental, forma que se nos depara nos livros sagrados de todos os povos. Isto faz ver quanto é prudente não lançar levianamente a pecha de falsas a doutrinas que podem, cedo ou tarde, como tantas outras, desmentir os que as combatem. As idéias religiosas, longe de perderem alguma coisa, se engrandecem, caminhando de par com a Ciência. Esse o meio único de não apresentarem lado vulnerável ao cepticismo.

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