Informativo: II EFEOM - Zaqueu, o rico de humildade

Durante o II Encontro de Filosofia Espirita do Oriente Medio, onde o tema central foi "Família: Amor ou Obrigação?", o coordenador do GEEAD Cesar Augusto apresentou a historia de Zaqueu, o publicano. O texto de Divaldo Franco e Amélia Rodrigues emocionou a todos, pois em essencia devemos nos perguntar se estamos preparados para receber "Jesus" em nossa Casa, assim como Zaqueu.


Zaqueu, o rico de humildade


Fonte: Primícias do Reino, cap. 15 – Divaldo Franco e Amélia Rodrigues

Segregados, os publicanos (*) ou arrecadadores de impostos constituíam classe detestável, vivendo sob chuvas de ódios e sarcasmos. (1)
O pão, adquirido com o suor da aflição, carreava a aflição daqueles que estavam constrangidos ao resgate das pesadas taxas, impostas pelas hostes vitoriosas que dominavam Israel.
Jericó era um centro de atividades comerciais e urbe famosa, que hospedava Cleópatra, no passado, a qual se encantara com seu leve, perfumado ar.
Embelezada por Herodes e Arquelau, o seu casario suntuoso e suas vivendas palacianas de mármore se destacavam pela austeridade e beleza de linhas.
Situada um pouco sobre o vale do Jordão, beneficiava-se, nos dias tórridos, com as lufadas e a brisa fresca e nos dias frios a temperatura se mantinha agradável sem quedas baixas.
Conhecida por seu centro comercial, era escolhida pelos negociantes, cambistas, peregrinos e caravanas que demandavam os diversos países do Oriente, recendendo, ao entardecer, o aroma das rosas abundantes, espalhadas em toda parte.
Campos e relvados eram sombreados por sicômoros, romãzeiras, amendoeiras e salpicados por flores de vermelho forte e amareladas, em tons de ouro. Suas rechãs cobertas de trigos e canas de açúcar rivalizavam em esplendor com as plataformas coloridas pela balsamina abundante que lhe oferecia um ar de beleza risonha e primaveril. As tamareiras, as mais célebres em Israel, produziam três espécies distintas, e suas tâmaras possuíam o dulcíssimo sabor do mel.
Sua alfândega regurgitava e os negócios atingiam altas e expressivas somas.
Jericó, esplendente, e de economia pujante, era rota para Jerusalém...
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Zaqueu adquirira, com a vitória em hasta pública, o direito à arrecadação dos impostos, em Jericó, e com eles a herança amaldiçoada que os acompanhava.
Residindo em suntuoso palacete, amealhara alto cabedal de moedas, adornara o reduto doméstico com obras de arte vindas de muitos países e se cercava de luxo, de modo a encher de bens externos o vazio do coração, por saber-se detestado por toda a cidade.
De índole afável, justificava o ofício com a explicação de que não eram poucos os filhos de Israel que o disputavam diante dos emissários de César.
Quanto possível procurava dissipar as nuvens carregadas de malquerença e animosidade que lhe sombreavam os dias.
Tentativas e tentativas, porém, redundavam inúteis.
Redobrava esforços e o descoroçoamento era desanimador.
Escutava, algo irritado, as ameaças escapadas entre dentes, daqueles que se viam obrigados a liberar-se do infamante dever de pagar o tributo a César, através dele...
De estatura baixa, o que lhe somava mais aflição às angústias, e gordo, Zaqueu era o espécime vivo característico da idiossincrasia da cidade.
Muitas vezes, acarinhando os filhinhos, atormentado, considerava, o Publicano, o futuro, e alinhava planos... Quando possuísse muitos bens e pudesse abandonar a ignóbil tarefa, deixaria a cidade, recomeçaria vida nova, longe de Jericó, muito longe... O sorriso lhe aflorava aos lábios e a esperança mal dominada lhe emoldurava o coração, dando-lhe forças para resistir para resistir a todas as dores tormentosas do momento. O futuro lhe pertencia. Bastava, somente, esperar...
Zaqueu ouvira falar de Jesus.
As notícias que lhe chegaram aos ouvidos mais lhe pareciam uma mensagem de amor, cantando esperanças. Parecia-lhe irreal que alguém pudesse amar tanto. Também ele tinha sede de amor. Ansiava por afeição, amigos... Faziam-lhe falta as orquestrações da amizade, os largos sorrisos do entendimento e da compreensão.
A informação de que Ele comia com pecadores e até palestrava com os publicanos, fê-lo chorar interiormente. E as lágrimas aljofraram mais fortes, quando seus auxiliares, na alfândega, disseram, com segurança, que entre os que O seguiam com ardor, um havia, publicano, também, que Ele arrancara de uma Coletoria...
Admiração e afeto empolgaram Zaqueu por aquele Desconhecido!
Às vezes, meditando, anelava vê-lO, ouvi-lO, conversar com Ele. No imo acreditava que Ele fosse o Messias.
Sua palavra viajava no ar; Seus feitos eram de todos, em todo lugar conhecidos.
Amavam-nO os infelizes, os deserdados de esperança, os espezinhados, os proletarii. Odiavam-nO os que O temiam, porque nEle reconheciam o Salvador!
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Bartimeu, o cego, vivia em Jericó desde quando Zaqueu podia recordar.
Com a escudela miserável, mendigava pelas ruas e nas estradas.
Na Alfândega, com freqüência, Zaqueu o socorria. Gostava de atender a miséria, amenizar a dor, ele que sabia o travo da sociedade. Esses, os sofredores, não lhe denegavam a moeda antiga, que os puritanos e zelosos da Lei recusavam ofertar, guardando no semblante de falsa pureza a expressão constante de asco...
Bartimeu, cego e desprezado, tinha algo em comum com ele, Zaqueu; a soledade e quem caminhavam ambos, no meio do povo.
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Em pleno março do ano 30, em certo entardecer, Jericó tomava aspecto festivo. Desde há alguns dias, a cidade hospedava peregrinos que demandavam a Páscoa, que seria celebrada com toda a pompa, em Jerusalém.
No entanto, àquela tarde, o movimento era inusitado.
Falavam que o Rabi arrancara Bartimeu à cegueira e que o antigo infeliz se adentrara pela cidade, após vencida a Porta, entoando hosanas e exibindo os claros olhos banhados de indefinível luz.
Milagre! – exclamavam uns.
Farsa! – bradavam , coléricos, outros.
Todos queriam falar ao ex-cego, informar-se.
O tumulto se fazia natural na algaravia desordenada a que todos se entregavam, quando alguém gritou com voz estertorada: Eis que o Rabi Galileu se aproxima e logo mais chegará à cidade.
Houve uma explosão emocional na alma de Zaqueu. Mal se podia conter.
O esperado chegava
Este era o seu momento; o mais precioso momento da vida.
Necessitava fitá-lO.
Não ousaria falar-lhe é certo, no entanto...
Se perdesse a ocasião, nunca mais, oh! Certamente, teria outra
Sôfrego, com o suor álgido a escorrer em bagas pôs-se a correr – perdendo até a postura de dignidade que a si mesmo se impunha, - seguiu correndo na direção da porta da cidade
A multidão se adensava pela via.
Era imperioso vê-lO, vê-lO apenas, vê-lO passar.
Agoniado, sob o domínio de mil inquietações, de relance, – sabendo-se impossibilitado de vislumbrá-lO sequer, pois que, baixo, não podia olhá-lO, obstaculado pelos que se postavam à frente, à orla da estrada, e detestado, não encontraria quem lhe cedesse lugar, – enxergou velho e vetusto sicômoro de fácil acesso, e desgalhado por sobre o caminho. As raízes se alçavam, rugosas e curvas, acima do solo.
O Publicano não titubeou. Avançou, resoluto, e galgou a árvore.
Viu o Mestre, sereno, que avançava acompanhado pelo povo.
Gritos e exclamações espocavam em ovação ao estranho Caminhante, que parecia envolto em diáfana claridade...
Zaqueu, deixou que a voz estrangulada na garganta irrompesse cristalina e, sem o perceber, uniu-se ao entusiasmo geral, tocado de entusiasmo, também.
Como era belo o Rabi! Jamais vira beleza igual àquela, cheia de majestade e transparência!
O Senhor estacou o passo junto ao sicômoro e fitou Zaqueu.
Foi rápido; no entanto, naquele momento, toda a vida do cobrador de impostos lhe perpassou fulminante pela tela do pensamento.
Reviu-se...
“Zaqueu, – falou o Visitante Sublime – desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa”.
Não podia ser verdade. Sonhava! Zumbido forte nos ouvidos e torpor na mente dominavam-no. “Desce depressa”, gritava-lhe firme o espírito.
O homem escorregou figueira abaixo, transfigurado pela emoção, a sós, esquecido de tudo, como se flutuasse no ar embalsamada do entardecer. Desejou sorrir, protestar aquiescência. Não pôde, nada podia dizer ou fazer.
O cérebro parecia sofrer uma brasa viva a arder.
Sabia-se rico – e os ricos eram detestados.
Publicano – e a Lei mosaica o condenava.
Reconhecia-se indigno – e Israel não o perdoaria nunca...
Mas a voz continuava a ordenar: “hoje me convém pousar em tua casa”.
Rompeu o torpor e demandou o lar. Era indispensável preparar a recepção.
As lágrimas desatam nos seus olhos cansados e o coração estuava, após tão longa solidão. A esposa, a ele abraçada, chorava, também.
Procurava uma forma de apequenar-se na grandeza da casa luxuosa, engrandecer-se na pequenez em que a aflição o colocava, para receber o Rabi, o Amigo Único...
É quase noite.
Uma fímbria de ouro forte borda os montes de luz, no poente, e derrama um leque de plumas irisadas que adornam ligeiras nuvens passantes...
À porta da casa, com a família reunida, emocionado, Zaqueu aguarda.
Teme, porém, que o Rabi não lhe adentre o lar.
Não se sente digno de hospedá-lO, mas tudo daria para receber tal honra.
- Senhor! – exclama alguém. – pernoitarás na casa desse publicano?...
Publicano! (Espoca a palavra aos ouvidos de Zaqueu). A marca insculpe no dorido e ansioso coração de Zaqueu a dor, em fogo!
“Senhor, - tartamudeia o arrecadador das taxas – eis que eu dou aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado! Entra na minha casa!”
Não pôde continuar, pois que, lívido e afásico, momentaneamente, foi dominado por inextricável comoção.
Jesus sorriu, um riso leve e bom como um hausto de amor.
“Hoje – disse suave – veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido”.
Após uma pausa, em que se ouviam as murmurações da noite chegando, o Senhor narrou a inconfundível parábola das dez minas, tomando, como imagem preliminar o príncipe israelita Arquelau, que “partiu para uma terra remota, a fim de tomar para si um reino e voltar depois”...
Zaqueu se apequenou e engrandeceu-se.
Submeteu-se à humilhação, glorificando-se na humildade.
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Contam narradores dos eventos evangélicos, que transcorridos muitos anos após a epopéia da Cruz, por solicitação de Simão Pedro, o antigo publicano foi dirigir florescente igreja cristã em terras de Cesaréia, rico de amor e humildade, dirigido por Jesus...

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